sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Capitulação

Quando você entra no site da Secretaria de Cultura do DF, toca a música de ano novo da Globo. Sabia? É, no site da Secretaria de Cultura.

Bom, este blogue, bem como meus outros dois, entram de férias hoje. Voltamos lá pro dia 10 de janeiro. Vai lendo os arquivos, enquanto isso. Abraços e bom ano novo a todos.

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Christmas resistance

Há um movimento contra o Natal. Em geral, ouve-se pessoas dizerem que não passa de uma data comercial, ou uma festa cheia de hipocrisia em que as pessoas se abraçam e vestem uma capa de bondade que, na verdade, não existe. Há ainda as que dizem ser uma festa sem sentido, simplesmente por não acreditarem na divindade de Jesus Cristo.

Eu, particularmente, odeio Papai Noel, não faço questão (embora goste) de ganhar milhares de presentes, nem me sinto mais solidário em dezembro. Mas adoro o Natal. Não apenas pelo motivo maior, que é o fato de celebrar com grande alegria o nascimento de Jesus. Creio que, mesmo que não fosse cristão, não resistiria a comemorar o nascimento de um homem que dedicou sua vida a ensinar as pessoas a amar, abrir mão de seu egoísmo, não falar mal dos outros e não usar de violência em hipótese alguma.
Ademais, o Natal é um pretexto irrecusável para encontrar pessoas a quem amamos, ou, no mínimo, que deveríamos aprender a amar. As famílias brigam, é verdade. Até a minha. As melhores de Londres também. Mas isso é natural, as pessoas podem aprender com isso e crescer.
É fato que a data é usada com grande apelo comercial. Não há, porém, maiores problemas com isso. É bom que o comércio lucre com o Natal. Aumenta o PIB. Emprega-se um monte de gente. Empresários e funcionários ficam felizes (clientes também, com as promoções). Todo o mundo sai ganhando no Natal. Tá bom, tá bom, nem sempre é simples assim. Na verdade, o comércio conseguiu distorcer completamente o sentido do Natal. A figura odiosa do Papai Noel tira o foco da pessoa central dessa data. A questão dos presentes às vezes gera ressentimentos entre familiares. E mais um monte de coisa, enfim.
Mas eu adoro o Natal. Principalmente o dia 25, em que não há mais aquela formalidade da noite de natal, já se abriram os presentes, quem tinha que acertar contas com um parente já o fez e está todo o mundo mais à vontade, de bermuda e chinelo, comendo peru-chester-pernil, já acabaram as passas (eu odeio passas) e quem tinha ficado estressado preparando a festa já está mais tranquilo também.
Eu fico igual a uma criança, no Natal. Que nem pinto no lixo. Este ano ainda ganhei um livro de contos do Cortázar, em espanhol, e outro de contos alemães (em português, ainda bem). Uma beleza, uma beleza. Se todo o mundo ganhasse livros no Natal, não ficavam perdendo tempo fazendo campanha contra o Natal.


OBS: Se você é metido a professor de português e estranhou o meu "ouve-se pessoas dizerem", lá no início, esclareço que parece errado mas está certo. Depois eu explico direito lá no A Letra mata, que agora estou com preguiça.

sábado, 16 de dezembro de 2006

Millôr

(Coluna de Millôr Fernandes, numa edição recente da VEJA.)


L.I.V.R.O.

Existe entre nós, muito utilizado, mas que vem perdendo prestígio por falta de propaganda dirigida, e comentários cultos, embora seja superior a qualquer outro meio de divulgação, educação e divertimento, um revolucionário conceito de tecnologia de informação.

Chama-se de Local de Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas – L.I.V.R.O.

L.I.V.R.O. que, em sua forma atual, vem sendo utilizado há mais de quinhentos anos, representa um avanço fantástico na tecnologia. Não tem fios, circuitos elétricos, nem pilhas. Não necessita ser conectado a nada, ligado a coisa alguma. É tão fácil de usar que qualquer criança pode operá-lo. Basta abri-lo!

Cada L.I.V.R.O. é formado por uma sequência de folhas numeradas, feitas de papel (atualmente reciclável), que podem armazenar milhares, e até milhões, de informações. As páginas são unidas por um sistema chamado lombada, que as mantém permanentemente em sequência correta. Com recurso do TPO Tecnologia do Papel Opaco – os fabricantes de L.I.V.R.O.S podem usar as duas faces (páginas) da folha de papel. Isso possibilita duplicar a quantidade de dados inseridos e reduzir os custos à metade!

Especialistas dividem-se quanto aos projetos de expansão da inserção de dados em cada unidade. É que, para fazer L.I.V.R.O.S com mais informações, basta usar mais folhas. Isso porém os torna mais grossos e mais difíceis de ser transportados, atraindo críticas dos adeptos da portabilidade do sistema, visivelmente influenciados pela nanoestupidez.

Cada página do L.I.V.R.O. deve ser escaneada opticamente, e as informações transferidas diretamente para a CPU do usuário, no próprio cérebro, sem qualquer formatação especial. Lembramos apenas que, quanto maior e mais complexa a informação a ser absorvida, maior deverá ser a capacidade de processamento do usuário.

Vantagem imbatível do aparelho é que, quando em uso, um simples movimento de dedo permite acesso instantâneo à próxima página. E a leitura do L.I.V.R.O. pode ser retomada a qualquer momento, bastando abri-lo. Nunca apresenta "ERRO FATAL DE SENHA", nem precisa ser reinicializado. Só fica estragado ou até mesmo inutilizável quando atingido por líquido. Caso caia no mar, por exemplo. Acontecimento raríssimo, que só acontece em caso de naufrágio.

O comando adicional moderno chamado ÍNDICE REMISSIVO, muito ajudado em sua confecção pelos computadores (L.I.V.R.O. se utiliza de toda tecnologia adicional), permite acessar qualquer página instantaneamente e avançar ou retroceder na busca com muita facilidade. A maioria dos modelos à venda já vem com esse FOFO (softer) instalado.

Um acessório opcional, o marcador de páginas, permite também que você acesse o L.I.V.R.O. exatamente no local em que o deixou na última utilização, mesmo que ele esteja fechado. A compatibilidade dos marcadores de página é total, permitindo que funcionem em qualquer modelo ou tipo de L.I.V.R.O. sem necessidade de configuração. Todo L.I.V.R.O. suporta o uso simultâneo de vários marcadores de página, caso o usuário deseje manter selecionados múltiplos trechos ao mesmo tempo. A capacidade máxima para uso de marcadores coincide com a metade do número de páginas do L.I.V.R.O.

Pode-se ainda personalizar o conteúdo do L.I.V.R.O., por meio de anotações em suas margens. Para isso, deve-se utilizar um periférico de Linguagem Apagável Portátil de Intercomunicação Simplificada – L.A.P.I.S.

Elegante, durável e barato, L.I.V.R.O. vem sendo apontado como o instrumento de entretenimento e cultura do futuro, como já foi de todo o passado ocidental. São milhões de títulos e formas que anualmente programadores (editores) põem à disposição do público utilizando essa plataforma.

E, uma característica de suprema importância: L.I.V.R.O. não enguiça!

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

É bom ou ruim? *

Um livro é um grande livro não pela história que conta, mas por elementos que vão muito além do que uma leitura desatenta possa revelar. Não é porque se lê um livro num só fôlego, sem se conseguir largar, que ele é um grande livro. Na verdade, os livros que mais me marcaram foram aqueles que passei meses lendo, ainda que curtos. Não é porque o livro é fácil de ler, ou porque o leitor se identifica com o personagem, que ele é bom. Quando aprecio um livro, buscando responder à pergunta “É bom?”, costumo levar em conta as seguintes características:

Linguagem:

Este é, certamente, o elemento mais importante a ser observado num texto literário. A elaboração formal, a coerência entre a linguagem e o estilo (ressalte-se que linguagem e estilo não são a mesma coisa), a concisão necessária ou a construção intencionalmente perifrástica, prolixa; enfim, esse é o elemento básico da construção de um bom livro. Por isso muitos livros perdem completamente o interesse quando (mal) traduzidos. O contrário também é válido.

Referências:

Não que um bom livro tenha de se encher de citações. Ao contrário, elas costumam deixar o texto pedante. Mas é sempre um índice de criatividade formal a menção, tácita ou evidente, a outra obra ou autor. Para o meu gosto, quanto mais discreta for a referência, melhor; mas essa é uma idiossincrasia. O fato é que uma construção propositalmente ambígua, que estabeleça intertextualidade, ou o recurso à paráfrase e à paródia enriquecem o texto. É desnecessário dizer — mas o digo — que o efeito causado depende da sensibilidade do escritor e, evidentemente, da bagagem de leitura do leitor.

Ponto de vista:

Toda história é contada a partir de um ponto de vista. Mesmo que o narrador seja de terceira pessoa e onisciente. Ele adota um ponto de vista. Se isso não estiver claro, o texto é ruim. Simples assim. Esse ponto de vista pode ser o de um personagem do texto, ou de vários, mas pode ser algo mais, digamos, distanciado. Mas não impessoal. O narrador pode ter um ponto de vista irônico, lamurioso, heroico (como nas epopeias). E esse ponto de vista, é desnecessário dizer (mas digo, mas digo), precisa de coerência. Esse é o aspecto em que muitos livros se enfraquecem. Subitamente, o narrador solta um comentário, ou um adjetivo, enfim, que faz o leitor se perguntar: quem teria dito isso? Ponto negativo para o livro.

Verossimilhança:

Corresponder a história à realidade estrita não é exatamente uma obrigação do ficcionista. Mas é necessária uma coerência interna. A história deve ser crível dentro do próprio universo que ela cria. Excetuam-se, evidentemente, os possíveis jogos a que autores podem recorrer, criando situações notoriamente incoerentes. Contudo, mesmo aí, deve haver uma intenção, normalmente de comismo. Se o autor, a sério ou sem o perceber, cria situações ou personagens que não correspondem aos parâmetros da realidade ou às características ficcionais do próprio enredo, o livro perde em qualidade. Aqui, aliás, escorrega a maioria dos best-sellers da atualidade. Histórias mirabolantes, encontros inesperados e personagens traiçoeiros são ingredientes que, quando bem-empregados, rendem interesse à obra. Quando bem. E, portanto, raramente.

Há outros critérios, mais sutis, como a consideração do contexto histórico de produção do livro. Mas quero dedicar-me a rebater alguns que, definitivamente, não garantem valor a uma obra. Por exemplo, a tal originalidade. Ora, se se tomar essa palavra em sentido estrito, a última vez que se pôde falar em originalidade em Arte foi na, sei lá, Grécia Antiga? O fato é que não há muito o que escrever que não tenha sido escrito já. Nada, na verdade. Outra ideia boba é que um livro é bom se o enredo é intrigante. Disso já falamos no início. Qual é a história do livro? Esta é uma pergunta inútil. Temas banais fazem grandes obras. Depende de outros critérios. Outro elemento que pode servir de valoração é o engajamento. Ora, uma obra defender uma determinada pregação, explicitamente, pode ter efeito positivo no âmbito da sua repercussão, e até no significado histórico desse trabalho. Mas raramente um texto com a intenção primeira de transformar o mundo resulta num grande livro.

Para não ficarmos só na teoria, podemos enumerar alguns exemplos do que foi dito. Machado de Assis escreveu uma das obras capitais da literatura brasileira, aclamada mundialmente, a partir do tema da traição. Nada mais manjado, certo? Errado, porque o trunfo do nosso escritor não foi o tema, mas um conjunto de opções formais que fizeram de Dom Casmurro o que ele é. Primeiramente, a linguagem. A prosa machadiana flui, é agradável, encanta apenas pela própria beleza das imagens, das palavras, dos contrastes entre termos muito próximos, que geram efeitos estéticos que, numa leitura de fruição, muitas vezes nem decodificamos, mas são captados. Outro ingrediente marcante é o ponto de vista adotado. A história de Bentinho ganha interesse adicional porque é contada sob seu próprio ponto de vista, mas não o do mesmo Bentinho personagem, pois D. Casmurro já está velho quando narra a história. Essa escolha, evidentemente, afeta muito o enredo. O leitor é conduzido, na trama, por um narrador velho, desmemoriado e tendencioso. Quem fica perdendo tempo discutindo se Capitu o traiu ou não, na verdade, não percebeu o jogo proposto pelo escritor. Como vamos acreditar no que D. Casmurro nos diz, se o objetivo dele ao escrever a obra é justamente buscar, numa memória fraca e arrependida, motivos para justificar sua desconfiança e suas atitudes contra Capitu? Uma historinha de amor e ciúme: mas um grande livro.

Outro autor de que gosto muito é o português José Saramago. Muita gente o critica pelo conteúdo às vezes ingenuamente idealista de seus textos. Críticas bobas ao capitalismo etc. Mas, veja-se, Saramago não me parece preocupado em apregoar o socialismo em seus textos, e sim em escrever frases belíssimas e construir personagens extremamente interessantes. O que ele faz, aliás, como poucos escritores. No texto de Saramago, encontramos uma mistura frequente — e muito gostosa — da linguagem informal, dos ditados populares, das expressões familiares, com uma sintaxe complexa, rica e bem-amarrada. Ou uma mistura de personagens simples e cotidianos com emoções profundas e difíceis de compreender, porquanto extremamente humanas. Tome-se, como exemplo, o romance Memorial do convento, que muita gente não consegue ler até a décima página, outros acham o melhor livro do mundo. Eu estou mais perto do segundo grupo. É um grande livro, principalmente se analisado do ponto de vista da beleza da linguagem. Memorial do convento me parece um grande poema, uma ópera, uma epopeia. As frases, as imagens, os diálogos, toda a estruturação linguística do texto é de um grau de elaboração formidável. Por isso é um livro difícil de ler, posto que belo. Vencida a barreira do estranhamento da linguagem, lê-se ele com os olhos úmidos. Além do primor formal, Saramago nos apresenta personagens com densa caracterização psicológica, além de descrições espaciais que, ainda que longas — às vezes muito longas —, são tão ricas e nítidas, que transportam o leitor para o meio da Península Ibérica medieval.

Há autores que se destacam pela maneira como rompem drasticamente a estrutura padrão de um texto. Dependendo do grau de intencionalidade dessas rupturas, podemos ter um grande livro. Quando penso em um autor que, de modo magistral, tenha feito essa inovação formal, o primeiro nome que me lembra é o de Jorge Luis Borges. Criatividade temática e formal, aliada a um incomparável domínio da língua e seus recursos, eis os trunfos desse autor. Em Borges, na verdade, encontramos uma tal quantidade de recursos, que se torna impossível (ou desinteressante) falar dele sem ler um texto concreto. Mais adiante, se interessar, podemos ler e analisar um dos contos dele por aqui.

Dados os exemplos, fica a dica: a leitura de um livro não é mera distração; pressupõe análise, avaliação, critérios razoavelmente bem-definidos. Se não, continuaremos comprando como best-sellers uma quantidade enorme de livros que não passam de ficção.



(*) Texto originalmente publicado no A Letra mata.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Resultado!

Por esmagadora maioria de votos, o blogue continua. Mas iniciei, nesse tempinho sem blogar por aqui, um novo projeto. Trata-se de um blogue mais técnico ou, ao menos, mais aprofundado, sobre um assunto específico: a linguagem. Chama-se A Letra mata. Conheçam, conheçam.
Qualquer dia desses volto a escrever por aqui, atendendo aos inúmeros fãs que deixaram sua opinião na enquete.