terça-feira, 29 de julho de 2008

Ah, mas e os buteco, comé que ficam?

Eu sou a favor da Lei Seca, que proíbe quase totalmente o consumo de bebida alcoólica para quem está dirigindo. Sou a favor dela pelo simples fato de que, numa sociedade em que nos acostumamos a contar os mortos em acidentes de trânsito usando pelo menos três algarismos, a cada feriado, e considerados os enormes percentuais de envolvimento de álcool na jogada, qualquer medida que tenha como objetivo direto um trânsito menos letal é boa a priori. Velocidade alta, por exemplo, também representa risco maior de acidentes, mas com radares instalados em pontos sabidamente perigosos, ou semáforos, por exemplo, esse risco é incrivelmente menor. O respeito generalizado à faixa de pedestres e o monitoramento de vias sensíveis, como pontes, por exemplo, também têm potencial de redução da violência automobilística. Mas nenhum desses cuidados é suficiente quando o motorista não tem absoluto controle de si mesmo e de seu carro. E a bebida, em qualquer quantidade, afeta num ou noutro grau esse controle. Considerando que todos são iguais perante a lei, não cabe fazer distinção de quantidades adequadas para cada pessoa, o que pode variar muito, inclusive para a mesma pessoa, de um dia para o outro. Os resultados da nova lei já se mostram bastante interessantes, muito melhores que os da idiota regra que proíbe venda de bebida nas rodovias. Porque o problema não é beber. A lei não deve se voltar contra a bebida, assim como não se volta contra o cigarro e, do meu ponto de vista, não deveria se voltar contra algumas drogas, cujo consumo é uma opção pessoal (sim, falo da maconha, que eu não fumo porque não quero, mas não gosto que me proíbam de fazê-lo, se quisesse).

Voltando ao ponto, a lei não é contra a bebida, portanto não se deve restringir sua venda (a não ser, ressalte-se, a menores de idade, por motivos evidentes). O que se proíbe, com toda a razão, é que alguém se ache no direito de dirigir em vias públicas após beber. Claro que a lei é severa e exige uma mudança de cultura, e as pessoas não querem mudanças de cultura, a não ser para os outros, esses mafiosos terríveis e sem coração que saem por aí bebendo e atropelando pessoas a esmo. Mas gostaria de rebater alguns argumentos — alguns bastante idiotas — contrários à lei seca.

O primeiro (e mais idiota) é o que associa a nova lei à falência dos bares e restaurantes, porque o consumo de bebidas vai diminuir e isso vai gerar desempregos terríveis. Esse é um argumento absurdo, e não precisava nem ser discutido. Mas, dada a recorrência com que aparece (inclusive nos jornais), discuto: a última coisa que deve ser levada em conta quando se fala de uma lei que busca diminuir as mortes no trânsito é o impacto econômico sobre determinado setor. Quer dizer, se os bares estão lucrando direitinho e os garçons têm emprego, então se legitima o caos nas pistas? É mais ou menos como se indignar contra a campanha anticigarro porque ela diminui o lucro das fábricas de cigarro e gera desemprego. É como ser a favor do desmatamento, porque ele gera empregos para os madeireiros ilegais da Amazônia. Há milhares de setores da economia que são fortissimamente regulamentados e, olha que coisa, vão muito bem das contas, como a indústria farmacêutica, por exemplo. Pessoas que acham que os fatores econômicos sempre devem ser considerados deveriam pensar nisso quando baixam músicas pela internet sem pagar direitos autorais, ou quando xerocam um livro que custa um preço razoável numa livraria do lado. Isso também gera perda de receitas privadas e públicas, bem como desemprego, além de prejudicar os artistas e autores. (Ressalto que eu baixo músicas pela internet todos os dias; mas eu não estou entre as pessoas que acham que fatores econômicos devam sempre ser levados em consideração — mas isso fica para outro texto).

Outro argumento (idiota, também) é este: nós, pessoas de bem, só queremos tomar nossa cervejinha em paz e voltar pra casa numa boa, não somos criminosos; a lei devia prender os bandidos, os motoristas sanguinários horríveis que enchem a cara e matam pessoas por aí. Essa distinção entre "pessoas de bem" e "criminosos terríveis" é típica dos nossos tempos. Mas deixa eu contar uma coisa: não existem nem uns nem outros. Acidentes fatais no trânsito, na maioria das vezes, envolvem pessoas que estão voltando honestamente das férias com a família, do trabalho, da escola com os filhos atrás, do churrasco na casa da vovó. A prisão não é nem deve ser lugar exclusivo de psicopatas completos, de pessoas más, de assassinos incorrigíveis: o ser humano pode até ser bom, mas faz maldade pra caramba, às vezes de propósito (até honestos pais de família), e a lei serve para que, ao menos, prestemos mais atenção a isso. Dissolver nosso superego em alguns copos de bebida (poucos que sejam) é incompatível com o trânsito, lugar em que nosso senso de obediência às regras precisa estar absolutamente desperto. Quem ignorar isso pode ser preso. Até pais de família. A lei — qualquer lei — não é contra criminosos. É a favor da sociedade, do plano coletivo, e contra o individualismo que se arroga o direito de correr riscos como bem entender.

Há um argumento difícil de rebater: se o testemunho do policial vale como prova de que estou embriagado, favorece-se a prática da extorsão, do suborno, da famosa cervejinha (mais ironicamente do que nunca). É de fato um problema. O Brasil tem vários princípios jurídicos que, não obstante salientarem o amplo direito de defesa, desfavorecem a própria lei. Se o cidadão (aquele de bem) se recusa a fazer o teste do bafômetro, nada mais evidente que presumir que ele tem algo a esconder e, portanto, não devia estar dirigindo. Mas a justiça diz que o cara não pode produzir provas contra si mesmo, então ficamos na mão dos policiais. Há nisso espaço enorme para a corrupção. Como os há também, infinitos, em todas as outras áreas da vida social. Se a possibilidade de haver corrupção fosse motivo para banir uma lei ou uma atividade, olha, ia ser um problemão, viu? Não sobrava um... De todo modo, vale repensar o modo de aplicação da lei seca. O fato é que é necessário um indicador preciso de nível de álcool no sangue. Depender da opinião de um policial (ou que fosse um especialista em bebuns, não é esse o problema...) sobre eu estar ou não embriagado é um defeito na nova lei, mas um defeito cuja solução extrapola os poderes da mesma lei.

Com efeito, nossas cidades ainda não estão bem preparadas para uma lei como esta. Mas já iniciaram uma adaptação. Há novos serviços, incluindo um que leva o pinguço pra casa no próprio carro! Há táxis. As pessoas têm amigos. O transporte público é uma merda na maior parte das cidades brasileiras, incluindo (talvez principalmente) a sua capital, é verdade. Mas é que as pessoas estão acostumadas a achar que pegar ônibus é coisa de pobre e que só serve pra ir e voltar do trabalho. Mais uma mudança de cultura necessária. Se as pessoas, principalmente as classes que têm maior capacidade de participação política (que não são os pobres, grosso modo) voltarem sua indignação não contra a nova lei, mas a favor de alternativas de transporte público mais razoáveis, as chances de a nova lei melhorar a vida de todo o mundo são bem maiores.

Disse-se também que as punições previstas na nova regra são muito rigorosas. Também acho. Mas é necessário. Isso lembra às pessoas que não estamos tratando de uma questão trivial. Que beber e dirigir é um erro grave. É, sim, um crime, mesmo antes de você atropelar alguém. Como é crime portar uma arma ilegal, mesmo antes de matar alguém. Como é crime quebrar o sigilo bancário de alguém, mesmo antes de usar essa informação para o que quer que seja. A punição rigorosa é mania de brasileiro, e não há outro jeito (eu não imagino nenhum melhor) de demonstrar a gravidade do erro que é beber e dirigir senão por esse meio.

Isso exige, no entanto, mudança cultural. Exige que pessoas aceitem mudar, mesmo quando elas não faziam "nada errado" antes. Exige um senso de coletividade maior do que o que se nota (ou não se nota) hoje. Ouvi outro dia que a nova lei está afastando amigos e aproximando vizinhos. Era pra ser uma crítica? Pois achei lindo. E duvido que afaste, de fato, os amigos.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Gatos

Estou digitando com sérias limitações datilográficas hoje. Meus dedos, mãos e braços estão machucados de arranhões e mordidas de gato, ou melhor, de gata. Dar remédio para gatos é uma tarefa inglória, como sabem todos aqueles que já o tentaram. Eu não sabia, quando resolvi criar bicho, e estou repensando seriamente minhas escolhas.
Mas uma amiga me mandou umas instruções que podem me ajudar a medicar minhas gatas, e disponibilizo o texto a todos aqueles que quiserem ter melhor sucesso que eu nesse procedimento. Aí vai:

Como dar um comprimido para o seu gato

1. Pegue o gato e aninhe-o no braço esquerdo, como se estivesse segurando um bebê. Posicione o dedo indicador e o polegar da mão esquerda em cada canto da boca do gato. Pressione levemente para que ele abra a boca. Tão logo isto aconteça, coloque o comprimido em sua boca. Permita que o gato feche a boca e engula a pílula.
2. Pegue a pílula do chão e o gato de trás do sofá. Encaixe-o no seu braço esquerdo e repita o processo.
3. Apanhe o gato no quarto e jogue fora os restos do comprimido que ficaram grudados no seu cabelo.
4. Pegue um novo comprimido, coloque o gato no braço esquerdo e segure as suas patas traseiras com a mão esquerda, force-o a abrir a boca e empurre o comprimido até a garganta com o indicador. Feche a sua boca imediatamente e conte até 10 antes de soltá-lo.
5. Tire o comprimido de dentro do aquário antes que envenene os peixes e o gato de cima do guarda-roupa. Peça ajuda a um amigo.
6. Ajoelhe-se no chão com o gato preso firmemente entre os joelhos, segurando suas quatro patas. Ignore os grunhidos emitidos pelo gato. Peça ao amigo que segure com firmeza a cabeça enquanto você abre a boca. Empurre uma espátula de madeira o mais fundo que puder na goela do gato. Deixe o comprimido escorregar pela espátula e esfregue a garganta do bichano vigorosamente.
7. Apanhe o gato que está grudado no trilho da cortina e pegue outro comprimido. Lembre-se de comprar uma nova espátula e remendar a cortina. Cuidadosamente enrole o gato numa toalha de modo que apenas sua cabeça fique de fora. Peça para o amigo mantê-lo assim. Dissolva o comprimido num pouco de água, abra a boca do gato com o auxílio de um lápis e, com o auxílio de um canudinho, sopre o líquido lá dentro.
8. Veja na bula do remédio se ele é nocivo para seres humanos. Beba um pouco de água para se acalmar. Faça um curativo no braço do amigo e limpe o sangue do tapete com água morna e sabão.
9. Busque o gato no vizinho. Pegue um novo comprimido. Bote o gato dentro do armário da cozinha e feche a porta, mantendo apenas a cabeça do gato do lado de fora. Abra sua boca com o auxílio de uma colher de sobremesa.Tente acertar o comprimido na boca do bichinho com o auxílio de um estilingue.
10. Vá até a garagem e apanhe uma chave de fenda para colocar a porta do armário no lugar. Coloque uma compressa fria nos arranhões do seu rosto e cheque quando tomou pela última vez a vacina antitetânica.