segunda-feira, 19 de março de 2007

Sábado

Terminei ontem de ler o último romance (acho que é o último) de Ian McEwan, Sábado. Como já tinha gostado muito do Reparação, li o segundo com a melhor das expectativas. E, a bem da verdade, ainda assim consegui me surpreender com o quanto o livro é bom. McEwan constrói um enredo de apenas um dia, lembrando nisso o Ulisses de Joyce. A história é protagonizada por um neurocirurgião e, apesar de a narrativa ser em terceira pessoa, ela se desenvolve do ponto de vista dele, um fluxo de pensamentos contínuo, envolvente, interminável, cada ideia que passou pela cabeça de Henry Perowne naquele dia é contada nos mínimos detalhes. E, sem de modo algum deixar o livro chato, o domínio que McEwan tem da escrita é tamanho, que é impossível não se sentir na pele do personagem.

Gosto das descrições perfeitas que ele faz. Mesmo das cirurgias cerebrais contadas nos mínimos detalhes. O filho de Henry é guitarrista, toca blues, e as melodias e improvisos são descritos de maneira tão bela que quase é possível ouvi-lo tocar. O cuidado com que são amarrados os pensamentos de Henry suscitam reflexões interessantes acerca de como tomam forma nossas opiniões, nossos pontos de vista sobre todas as coisas. E o que não falta no texto são opiniões fortes, pois o sábado narrado está às vésperas da invasão americana ao Iraque. Não que o livro caia na besteira de querer convencer o leitor da razão de seja lá quem for. Pelo contrário, mostra-se a fraqueza, a imperfeição da opinião, qualquer que seja ela. O próprio personagem assume que só tem determinada opinião sobre a guerra porque um dia conversou com alguém que lhe disse certas coisas. Do contrário, poderia estar do outro lado da discussão. Enfim, parece que, de fato, onde abundam as certezas, falta inteligência. Não que McEwan diga isso. Ele passa longe de qualquer tentação de afirmar clichês.

A outra filha de Henry é poetisa (o tradutor usou a palavra "poeta" em todas as ocorrências e, aliás, a tradução é a única coisa que perde, neste livro, em relação ao outro, que foi primorosamente traduzido; o que não significa que a tradução deste seja ruim). O sogro também é poeta. Portanto, a reflexão acerca da poesia — e da literatura como um todo — permeia toda a narrativa. Uma delas, aliás belíssima, está reproduzida aí num post anterior, vê lá e diz se eu não tenho razão de recomendar o livro. Aliás, a poesia ganha um papel tão importante no fim da história que, se eu disser qualquer outra coisa, estrago a surpresa de quem o for ler.

Então aproveita e vai ler, vai. Se você passa mal quando pensa em sangue e cérebros cortados, recomendo ler deitado, como eu fiz. Bom fim de semana.

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