terça-feira, 4 de abril de 2006

Depressivamente falando

Sempre gostei de música meio depressiva. Coisas como "Retrato em branco e preto" ou "Trocando em miúdos", do Chico; ou, noutro estilo, as músicas (se é que se pode chamá-las assim) do Radiohead (inclusive após KID A) sempre me arrancaram emoções tão fortes quanto aprazíveis. Sofrer ouvindo música me pareceu sempre uma maneira mais positiva de sofrer do que chorar em silêncio. Após assistir ao excelente Closer, no entanto, conheci o tal Damien Rice. Ele bateu todos os recordes. Conseguiu arrancar lamentos não só do violão e da voz, mas sobretudo da respiração. Não que seja uma novidade fazer notar a respiração enquanto se canta: Michael Jackson e seus intermináveis soluços, Lennon e McCartney em seus suspiros apaixonados, João Gilberto e seu supermicrofone que capta o som da baba que voa da boca enquanto ele canta, todos já experimentaram os efeitos que a respiração pode ter no canto (fora a evidente importância técnica e tal). Mas o Damien Rice conseguiu atingir, ao que parece aos meus ouvidos, um nível de expressividade até então desconhecido. Extremamente afinado, e no entanto, sem grande preocupação com a precisão de algumas notas, tomando-as muitas vezes por baixo, quase não as alcançando, o que aumenta a impressão de lamento. As letras são lentas. Cada sílaba é um compasso. Às vezes mais de um. O uso da voz de peito e do falsete é sempre associado ao estado emocional que a letra sugere. Isso é difícil de fazer. Essa associação inextricável entre melodia e letra é característica das mais belas e mais apreciadas canções, por exemplo, do Chico. Ao que parece, não seria possível dissociar as letras e as melodias de Damien. Um intérprete é tanto melhor quanto menos se puder imaginar sua música cantada de outro modo, ou por outra pessoa. Ninguém regrava canções que a Cássia Eller interpretou. Ou o Lenine. Ou o Djavan. Se o fazem, fica ruim (há exceções; raríssimas). Não imagino outro jeito de cantar as canções do disco "O" (aliás, não entendi esse nome. Alguém me perdoe e me explique, por favor.) Não imagino alguém regravando Damien Rice. Não vou nem comentar aquela versão dos infernos que a Ana Carolina fez com a famosa The Blower's Daughter, que apenas comprova o que eu vinha dizendo. Devia haver um mandamento que assegurasse a fulminação imediata de quem lhe desobedecesse: "Não regravarás músicas cantadas pela Cássia Eller, nem pelo Lenine, nem pelo Djavan". Este último teria exceções. Mas para o Damien Rice, não haveria exceção.

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