segunda-feira, 1 de maio de 2006

A Ilha

Assisti ontem ao filme "A Ilha". Confesso que, durante o filme, gostei bastante. Não que a Scarlett Johansson estivesse espetacular. Na verdade, ela não fica bem no papel de boazinha. Mas tudo bem. Falemos do filme. O fato é que o argumento dificilmente se sustenta. É aquela velha correria típica de Hollywood, em que um ou dois personagens enfrentam sozinhos uma poderosa organização criminosa e saem ganhando, apesar de todas as evidências indicarem o contrário. Dois pseudo-humanos, ingênuos e acostumados a ter tudo fácil, despistam a polícia e os milhares (sim, são milhares) de carros e helicópteros que os perseguem. Fora a pirotecnia a meu ver exagerada. Não vejo tanta destruição e explosões assim desde que assistia Spectreman (os mais jovens não sabem de quem estou falando, certamente). Fora isso, a montagem do filme é interessante, e a ideia é muito boa.

No entanto, fiquei pensando depois: o filme nos força a achar os clones uns coitadinhos e a apoiar sua libertação (certíssimo, aliás); e nos força a ter ódio dos outros, os "normais". Eles são maus. Egoístas. Querem viver a qualquer custo. Portanto estão errados. Isso legitima a ação dos dois clones rebeldes. Ora, essa discussão não pode ser tão simplista assim. Basta pensar que a luta de Lincoln Six Echo e JordanTwo Delta acaba gerando a morte, por exemplo, da Jordan original, mãe daquela graciosa menininha que aparece rapidamente no filme. Não creio que a morte de uma pessoa que tem família, que tem história, seja mais legítima que a morte de um ser humano artificial, ainda que ambos sejam humanos. Outras mortes: a do bom amigo de Lincoln, McCord; a do Lincoln original (não que ele fosse gente boa, mas trata-se de uma morte que não se justifica sob nenhum aspecto); e as mortes causadas pela explosão de centenas de carros, prédios, helicópteros e ônibus flutuantes (aliás, fico impressionado de ver como o ser humano é pretensioso: vejam como os americanos de Hollywood acham que será uma cidade dos States em 2019).

Aliás, essa tendência de achar que a morte de um monte de gente compensa a morte de outro tanto de pessoas é típica da política externa norte-americana. Vejam-se os exemplos do Iraque e do Afeganistão (para só falar dos mais recentes).

Voltando ao filme, "A Ilha" apresenta sem maiores discussões o ponto de vista extremamente conservador de que a busca pela longevidade é sempre egoísta e antiética. Não que o uso de clones humanos (conscientes ou não) seja legítimo a priori. Mas a questão precisa ser discutida com mais cuidado. Ou cairemos no fundamentalismo ultrarradical de dizer que a vida deve acabar naturalmente, como se a ciência não fosse uma faculdade divinamente inspirada.
O filme, no fim das contas, vale o ingresso, digamos assim; mas não transmite sob nenhum aspecto uma lição de moral que precisemos aprender. Fora a de que a Scarlett Johansson não deve interpretar personagens boazinhas.

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