JOÃO PEREIRA COUTINHO
Planeta dos macacos
QUE VERGONHA. Eu queria escrever sobre "O Código Da Vinci", mas tenho dois problemas básicos. Não li o livro e não assisti ao filme. Calma, a história é mais complexa: o livro, eu li, mas só até metade. A certa altura, senti um cheiro pastoso à mandioca queimada e percebi, sem surpresa, que eram meus neurônios derretendo. O filme fui assistindo. Atenção ao gerúndio: assistindo. Ou seja: assistia, adormecia, assistia, adormecia. Por outras palavras, sou um verdadeiro especialista no assunto.
Mas quem não é? Só nesta semana, li na imprensa inglesa que 60% dos leitores de "O Código Da Vinci" (se preferirem, 7 milhões de pessoas) acreditam firmemente na "verdade" do "Código". Cuidado, gente: estamos a falar da pátria de Newton, Darwin ou Peter Cook. E que "verdade" é essa? Pois é: parece que Jesus e Madalena casaram na Galileia e deixaram descendência. A descendência anda por aí, 2.000 anos depois. Não olhem para mim. Está bem, olhem, mas juro que não sou.
O problema é que esta "verdade" foi escondida pela igreja: em 325 d.C., o imperador Constantino, apostando em transformar o cristianismo em religião oficial, decretava a divindade de Jesus. Madalena fora marginalizada pela igreja, procurou refúgio na França e, sei lá, terminou seus dias a fazer camembert (não li esta parte; adormeci, idem). Infelizmente para Constantino, para a igreja e para a hipocrisia do cristianismo, existe um grupo, chamado Priorado do Sião, que conhece tudo e ameaça contar. O livro e o filme começam com a morte de um membro do clube, assassinado por um louco da Opus Dei. Não vou relatar o fim para não estragar a surpresa. A começar pela minha.
E a começar pela vossa. Nos últimos dias, familiares e amigos, dominados pelo livro de Dan Brown, têm perguntado se a "verdade" do "Código" é, digamos, verdade mesmo. Suspiro. Estou velho. Estou cansado. Dizer o quê? Que o Priorado é invenção de um fantasista francês, Pierre Plantard, condenado por fraudes? Que o casamento de Jesus e Madalena pode entusiasmar as massas que assistiram a "Uma Linda Mulher" - mas que não encontra suporte em nenhum tipo de texto, canônico ou apócrifo?
Não vale a pena. Deitado no sofá, onde passo meus dias, reparo então em notícia científica que se adapta ao momento: homens e macacos transaram, algures, no passado. Mais: de acordo com a ciência, a nossa espécie é resultado dessas horas de amor íntimo. Pessoalmente, nunca duvidei. Não falo apenas de certas feições símias, sobretudo entre a classe política. Falo de hábitos: hábitos mentais que sobreviveram a tudo. Inventamos o fogo. A roda. A agricultura. Descobrimos continentes. E planetas. Mas persistiu sempre no fundo de nós esse macaquito primitivo que olha para os mistérios do mundo como se o cosmos fosse dominado por forças misteriosas. As teorias da conspiração são uma adaptação moderna da histeria animal que Kubrick filmou em "2001". E que passou para os nossos genes. Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria citar o "Código" e os milhões de macaquitos que leram e acreditaram.
Planeta dos macacos
QUE VERGONHA. Eu queria escrever sobre "O Código Da Vinci", mas tenho dois problemas básicos. Não li o livro e não assisti ao filme. Calma, a história é mais complexa: o livro, eu li, mas só até metade. A certa altura, senti um cheiro pastoso à mandioca queimada e percebi, sem surpresa, que eram meus neurônios derretendo. O filme fui assistindo. Atenção ao gerúndio: assistindo. Ou seja: assistia, adormecia, assistia, adormecia. Por outras palavras, sou um verdadeiro especialista no assunto.
Mas quem não é? Só nesta semana, li na imprensa inglesa que 60% dos leitores de "O Código Da Vinci" (se preferirem, 7 milhões de pessoas) acreditam firmemente na "verdade" do "Código". Cuidado, gente: estamos a falar da pátria de Newton, Darwin ou Peter Cook. E que "verdade" é essa? Pois é: parece que Jesus e Madalena casaram na Galileia e deixaram descendência. A descendência anda por aí, 2.000 anos depois. Não olhem para mim. Está bem, olhem, mas juro que não sou.
O problema é que esta "verdade" foi escondida pela igreja: em 325 d.C., o imperador Constantino, apostando em transformar o cristianismo em religião oficial, decretava a divindade de Jesus. Madalena fora marginalizada pela igreja, procurou refúgio na França e, sei lá, terminou seus dias a fazer camembert (não li esta parte; adormeci, idem). Infelizmente para Constantino, para a igreja e para a hipocrisia do cristianismo, existe um grupo, chamado Priorado do Sião, que conhece tudo e ameaça contar. O livro e o filme começam com a morte de um membro do clube, assassinado por um louco da Opus Dei. Não vou relatar o fim para não estragar a surpresa. A começar pela minha.
E a começar pela vossa. Nos últimos dias, familiares e amigos, dominados pelo livro de Dan Brown, têm perguntado se a "verdade" do "Código" é, digamos, verdade mesmo. Suspiro. Estou velho. Estou cansado. Dizer o quê? Que o Priorado é invenção de um fantasista francês, Pierre Plantard, condenado por fraudes? Que o casamento de Jesus e Madalena pode entusiasmar as massas que assistiram a "Uma Linda Mulher" - mas que não encontra suporte em nenhum tipo de texto, canônico ou apócrifo?
Não vale a pena. Deitado no sofá, onde passo meus dias, reparo então em notícia científica que se adapta ao momento: homens e macacos transaram, algures, no passado. Mais: de acordo com a ciência, a nossa espécie é resultado dessas horas de amor íntimo. Pessoalmente, nunca duvidei. Não falo apenas de certas feições símias, sobretudo entre a classe política. Falo de hábitos: hábitos mentais que sobreviveram a tudo. Inventamos o fogo. A roda. A agricultura. Descobrimos continentes. E planetas. Mas persistiu sempre no fundo de nós esse macaquito primitivo que olha para os mistérios do mundo como se o cosmos fosse dominado por forças misteriosas. As teorias da conspiração são uma adaptação moderna da histeria animal que Kubrick filmou em "2001". E que passou para os nossos genes. Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria citar o "Código" e os milhões de macaquitos que leram e acreditaram.