sexta-feira, 28 de abril de 2006

Ofendido

Fui chamado de "não respondedor de scrap", de "não comentador de fotolog" e de "não postador de blog". É uma injustiça; embora seja verdade.
Nos últimos dias estive às voltas com as redações. E hoje, quando terminei de me livrar delas, o vencimento da primeira cota do imposto de renda acabou com minha boa vontade. O Brasil é um país engraçado. Quanto mais você é certinho, faz as coisas direito e segue as formalidades necessárias, mais você se fode. Com perdão da palavra. Tenho uma empresa de revisão de textos. Informal, evidentemente. Se fosse formal, eu pagaria para trabalhar. Como eu pago para trabalhar com os freelas que faço (e declaro, honestamente). Meu imposto a pagar foi mais caro que todos os trabalhos de correção que fiz para a TV Globo em 2005, somados ao último salário da escola em que trabalhei em 2004. Quer dizer, paguei pra trabalhar.
E depois acham estranho quando os espertos sonegam. Se eu não fosse bobo como sou...

Mudando de assunto, já que homenageei os alunos do 1.º ano no último post, vale fazer uma ressalva para os alunos do 2.º ano, que escreveram sobre o amadurecimento da democracia no Brasil:

  • Há eleições no país desde o século XIX. Elas não começaram somente após a ditadura (que, aliás, começou em 64, e não há 50 anos atrás).
  • Brasília ainda não existia durante a chamada Era Vargas.

Rarará. É mole? Como diria o José Simão. Vou pingar meu colírio alucinógeno.

segunda-feira, 24 de abril de 2006

A Lagoa Rodrigo de Freitas


O blog está parado desde a semana passada. Estou por conta das redações dos meus alunos. Corrigir redação é uma das piores partes da profissão que escolhi. Mas há momentos que compensam o sofrimento: as famosas pérolas. Não, não vou contá-las aqui. Seria antiético (eu acho). Mas vou colocar uma foto da Lagoa Rodrigo de Freitas. É para os alunos do 1.º ano, especialmente. Vejam que ela fica no Rio de Janeiro. Tudo bem, ninguém é obrigado a saber disso. Mas vejam também que não há pontes sobre ela. Não há ilhas. Não há "habitantes da Lagoa". E não é possível, definitivamente, alguém ser puxado pela correnteza da Lagoa.

Feitos os esclarecimentos, volto às redações. Semana que vem eu posto alguma coisa por aqui. Se não morrer "afolgado" até lá.

segunda-feira, 17 de abril de 2006

A verdadeira verdade sobre o que quer que seja

As capas de revista adoram o clichê "Saiba tudo sobre...". Normalmente, quando há essa chamada, deve-se esperar uma matéria bem fuleirinha, sem grandes novidades, fazendo estardalhaço para quem quiser ser tapeado com novidades requentadas.
A ISTOÉ desta semana trouxe um perfeito exemplo disso: "Saiba tudo sobre José, o pai de Jesus". Ou qualquer coisa assim. A reportagem (que eu não li, é claro; não perco meu tempo com a ISTOÉ) corresponde ao estereótipo: uma bobagem, pelo que se pode perceber só com uma rápida folheada. Mas estou escrevendo isto, na verdade, para recomendar um texto de um professor da UnB, que me deu algumas das melhores aulas que tive na vida. O texto trata justamente dessa reportagem da ISTOÉ (embora, sendo mais discreto que eu, não a tenha citado explicitamente). Além da crítica à reportagem, o texto elabora algumas reflexões interessantes (e bastante válidas) sobre a religiosidade mais ou menos hipócrita de nossos dias. Vale a pena ler. http://www.marcusmota.com.br/imagens/t02materias/bibliavende.pdf
Esse site, aliás, que leva o nome do professor, tem outras coisas bastante interessantes (contos, poesia, peças de teatro, ensaios, críticas de cinema etc), além de dicas sobre espetáculos, principalmente os que são dirigidos por ele.
Bom, mudando de assunto, assisti ontem à noite ao Clube da Luta (não, ainda não tinha visto). Pode ter sido, também, por causa do guaraná que tomei pra poder corrigir redação (o que acabei não fazendo), mas o fato é que não consegui dormir depois. Acho que isso já define minha impressão sobre o filme. Quando passar o choque eu escrevo alguma coisa mais elaborada.
E boa-noite a todos, que agora tenho que corrigir as redações.

domingo, 16 de abril de 2006

A barata da Clarice

“Mas foi então que consegui ver a cara da barata.
Ela estava de frente, à altura de minha cabeça e de meus olhos. Por um instante fiquei com a mão parada no alto. Depois gradualmente abaixei-a.
Um instante antes talvez eu ainda tivesse podido não ter visto na cara da barata o seu rosto.
Mas eis que por um átimo de segundo ficara tarde demais: eu via. Minha mão, que se abaixara ao desistir do golpe, foi aos poucos subindo de novo lentamente até o estômago: se eu mesma não me movera do lugar, o estômago recuara para dentro de meu corpo. A boca secara demais, passei uma língua também seca pelos lábios ásperos.
Era uma cara sem contorno. As antenas saíam em bigodes dos lados da boca. A boca marrom era bem delineada. Os finos e longos bigodes mexiam-se lentos e secos. Seus olhos pretos facetados olhavam. Era uma barata tão velha como salamandras e quimeras e grifos e leviatãs. Ela era antiga como uma lenda. Olhei a boca: lá estava a boca real.
Eu nunca tinha visto a boca de uma barata. Eu na verdade — eu nunca tinha mesmo visto uma barata. Só tivera repugnância pela sua antiga e sempre presente existência — mas nunca a defrontara, nem mesmo em pensamento.
E eis que eu descobria que, apesar de compacta, ela é formada de cascas e cascas pardas, finas como as de uma cebola, como se cada uma pudesse ser levantada pela unha e no entanto sempre aparecer mais uma casca, e mais uma. Talvez as cascas fossem as asas, mas então ela devia ser feita de camadas e camadas finas de asas comprimidas até formar aquele corpo compacto.
Ela era arruivada. E toda cheia de cílios. Os cílios seriam talvez as múltiplas pernas. Os fios de antena estavam agora quietos, fiapos secos e empoeirados.
A barata não tem nariz. Olhei-a, com aquela sua boca e seus olhos: parecia uma mulata à morte. Mas os olhos eram radiosos e negros. Olhos de noiva. Cada olho em si mesmo parecia uma barata. O olho franjado, escuro, vivo e desempoeirado. E o outro olho igual. Duas baratas incrustadas na barata, e cada olho reproduzia a barata inteira.
(…)
A barata é pura sedução. Cílios, cílios pestanejando que chamam.”

Clarice Lispector. A paixão segundo G.H. (trecho)

sábado, 15 de abril de 2006

agradecendo a sugestão da Mariana:



Resíduo

De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.

Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.

Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
— vazio — de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?

Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.

De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...
De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver... de aspirina.
De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob ti mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.

Carlos Drummond de Andrade (Antologia poética)

quinta-feira, 13 de abril de 2006

Recuperação

Luis

É uma ilha



Já que ninguém se animou a dar palpite sobre a foto que eu tinha colocado lá embaixo, dou uma dica. Trata-se de uma ilha. E segue outra foto da tal cidade.

Quem acertar ganha uma carteirinha de leitor VIP deste blog.

:o)

Sushi

Fui de penetra à festa de premiação dos melhores restaurantes da cidade, que é organizada pela revista Veja. Não estava muito animado para ir, mas fiquei sabendo que haveria uma mesa enorme de sushi e, em dois minutos, estava eu lá. Comi tanto que até me animei de postar alguma coisa por aqui. Passei os últimos dias tentando decidir o que vou fazer desse blog. Até agora não cheguei a conclusão nenhuma. Queria escrever algo sobre literatura, mas estou um péssimo leitor este ano: comecei cinco livros e não terminei nenhum. E já estou louco para começar outro: O jardineiro fiel, do Le Carré. Assisti ao filme na semana passada, pela primeira vez. Depois assisti mais duas vezes. O filme é excelente. Tem uma das mais belas fotografias que o cinema já produziu. O início faz um quebra-cabeça temporal tão interessante quanto surpreendente. O fato de ser quase todo filmado na África (no Quênia) faz dele uma obra de rara beleza. Uma beleza sinceramente chocante. Estarrecedora. Em contraste com a feiura grotesca das relações comerciais pseudodiplomáticas denunciadas na trama. O mais interessante da montagem do filme me parece ser a forma como a conduta moral supostamente condenável da personagem Tessa vai se revelando, ao longo do filme, uma inabalável fidelidade aos seus ideais e a seu marido. É uma bela transformação, uma tocante surpresa.
Li um comentário sobre a parte mais técnica do filme no endereço seguinte, acho que vale a pena dar uma lida: http://www.cinemaemcena.com.br/crit_editor_filme.asp?cod=2950
Este filme reavivou minha vontade de ser diplomata. Há muito a se fazer por este mundo. Não que eu acredite que vá fazer grande diferença. Mas gostaria, sinceramente, de ser menos cético, às vezes.

quinta-feira, 6 de abril de 2006

Frustration

Não vi o Capote. Cheguei lá todo feliz, na hora certa, mas a sessão tinha sido cancelada para dar lugar à pré-estreia de um filme brasileiro, cujo nome não lembro. Melhor: fomos comer pizza.

Por falar em pizza, recomendo um site sobre gastronomia: www.querocomer.com.br. Trata-se de um guia dos melhores restaurantes da cidade. Há também a programação dos principais cursos de culinária que acontecem por aqui. Estou louco para fazer um curso de sushi e sashimi. Adoro comida japonesa. Mas é muito caro. Vou aprender a fazer, e jantar peixe cru todo dia. Vai ser uma beleza. O único risco é minha mulher pedir o divórcio (ou um BigMac).

quarta-feira, 5 de abril de 2006

Enquete.


Não parece uma cidade de brinquedo? Adivinhem onde é.



Hoje à noite vou assistir ao "Capote". Já ouvi tudo sobre o filme. Já sei como é. Já ouvi a trilha sonora. Já sei como termina. Sei que o ator principal é bom. Já decidi até que vou gostar, apesar de saber que tem alguns defeitos. (Definitivamente, detesto ler crítica de filme antes de assistir.)

terça-feira, 4 de abril de 2006

Depressivamente falando

Sempre gostei de música meio depressiva. Coisas como "Retrato em branco e preto" ou "Trocando em miúdos", do Chico; ou, noutro estilo, as músicas (se é que se pode chamá-las assim) do Radiohead (inclusive após KID A) sempre me arrancaram emoções tão fortes quanto aprazíveis. Sofrer ouvindo música me pareceu sempre uma maneira mais positiva de sofrer do que chorar em silêncio. Após assistir ao excelente Closer, no entanto, conheci o tal Damien Rice. Ele bateu todos os recordes. Conseguiu arrancar lamentos não só do violão e da voz, mas sobretudo da respiração. Não que seja uma novidade fazer notar a respiração enquanto se canta: Michael Jackson e seus intermináveis soluços, Lennon e McCartney em seus suspiros apaixonados, João Gilberto e seu supermicrofone que capta o som da baba que voa da boca enquanto ele canta, todos já experimentaram os efeitos que a respiração pode ter no canto (fora a evidente importância técnica e tal). Mas o Damien Rice conseguiu atingir, ao que parece aos meus ouvidos, um nível de expressividade até então desconhecido. Extremamente afinado, e no entanto, sem grande preocupação com a precisão de algumas notas, tomando-as muitas vezes por baixo, quase não as alcançando, o que aumenta a impressão de lamento. As letras são lentas. Cada sílaba é um compasso. Às vezes mais de um. O uso da voz de peito e do falsete é sempre associado ao estado emocional que a letra sugere. Isso é difícil de fazer. Essa associação inextricável entre melodia e letra é característica das mais belas e mais apreciadas canções, por exemplo, do Chico. Ao que parece, não seria possível dissociar as letras e as melodias de Damien. Um intérprete é tanto melhor quanto menos se puder imaginar sua música cantada de outro modo, ou por outra pessoa. Ninguém regrava canções que a Cássia Eller interpretou. Ou o Lenine. Ou o Djavan. Se o fazem, fica ruim (há exceções; raríssimas). Não imagino outro jeito de cantar as canções do disco "O" (aliás, não entendi esse nome. Alguém me perdoe e me explique, por favor.) Não imagino alguém regravando Damien Rice. Não vou nem comentar aquela versão dos infernos que a Ana Carolina fez com a famosa The Blower's Daughter, que apenas comprova o que eu vinha dizendo. Devia haver um mandamento que assegurasse a fulminação imediata de quem lhe desobedecesse: "Não regravarás músicas cantadas pela Cássia Eller, nem pelo Lenine, nem pelo Djavan". Este último teria exceções. Mas para o Damien Rice, não haveria exceção.

segunda-feira, 3 de abril de 2006

Desfazendo


Antes que alguém se engane com o último post: eu não entendo lhufas de cinema. Mas gosto bastante. Mesmo de uns enlatados americanos, de vez em quando. Os comentários que serão deixados aqui são amadores. No sentido amplo da palavra. Comecemos então com o já mencionado Match Point. Já disse que gostei. Não só por causa da Scarlett Johansson (principalmente, mas não só). O ceticismo do protagonista, a certeza de que as coisas não têm explicações lógicas nem destino certo, dá à Sorte um papel destacado na história. A trama é muito bem amarrada, mas os acasos dão o rumo. Num mundo polarizado entre otimistas idiotas e pessimistas chatíssimos, Chris (o protagonista) dá um tom ironicamente sensato ao filme. Essa sensatez, no entanto, se esvai, à medida que os personagens vão sendo enredados por sentimentos incontrolavelmente obsidiantes, até a extrema loucura, que restabelece a normalidade. A qual depende, evidentemente, da sorte.
E, de fato, o desfecho consegue surpreender bastante, o que não é muito frequente no cinema.
Mas o melhor do filme, incontestavelmente, é a Scarlett Johansson.
E aqui termina o primeiro dia deste blog. Será que amanhã já tem algum comentário? Confesso estar um tanto ansioso. Mas daqui a pouco passa.
Beijos e abraços pra quem der as caras por aqui.

Começando

Ok, estamos apenas começando. Começando o quê? É uma pergunta necessária, mas, por enquanto, não tem resposta. Começando, digamos, um blog, seja lá o que for isso. A ideia é discutir as ideias. Todas elas. Concluir que o mundo não está resolvido, e que as respostas são impossíveis (isso me parece coisa da Clarice Lispector).
Discutir, enfim, as artes, e o ser humano. Não sei bem no que vai dar. Parece-me um espaço interessante de reflexão. Sobre o que quer que seja. Culinária. Literatura. Política. Futebol. Em ano de copa e de eleições, todos os assuntos são possíveis.
Todos, menos os pessoais. Íntimos. Este blog, definitivamente, não é para falar da minha vida pessoal. E sim de ideias. Isso aqui não é o orkut.
E ponto final. (Por falar em ponto final, li num blog do Globo hoje um texto sobre o Match Point, do W. Allen. Achei-o muito bom — o filme, não o blog; acho que podemos começar falando de cinema. Mas não agora.